Dr Eduardo Adnet


Médico Psiquiatra e Nutrólogo

A Síndrome de Burnout

 


Não é nada difícil de se encontrar as mais diversas e conflitantes definições do que seja a Síndrome de Burn Out (posteriormente contraída a expressão para Burnout), originalmente descrita pelo psicólogo alemão Herbert J. Freudenberger, sobre quem falaremos logo adiante.

Chamar a esta séria entidade psicopatológica de, simplesmente, estresse profissional é, no mínimo, uma apresentação um tanto quanto reducionista e que não se enquadra na descrição que o próprio decodificador desta doença psiquiátrica nos forneceu.

Antes, porém, de falarmos sobre Freudenberger (quem delineou a Síndrome), darei um exemplo que eu mesmo presenciei, o qual é uma autêntica expressão na prática do que falava Freudenberger, portanto, do que é a autêntica Síndrome de Burn-Out (é desta forma que está grafada em seu livro). Embora estejam diversos profissionais, das mais diferentes áreas, sujeitos a padecer desta síndrome, me utilizarei do exemplo dos médicos, uma categoria profissional altamente exposta e vulnerável a padecer da Síndrome de Freudenberger, a Síndrome de Burnout.

Não se enfade o amigo leitor deste artigo em razão dos detalhes que apresentarei, caso seja de seu interesse conhecer o que seja, de fato, a Síndrome de Burn Out.

Trata-se da história de vida de um colega médico com o qual convivi já faz um bom tempo. Por razões óbvias, não mencionarei nem seu nome e nem o nome da instituição em questão e por causa da qual viemos a nos conhecer.

Era um colega de média estatura, pele morena, calvo, com óculos de armação pesada, muito simpático e que parecia sempre se esforçar por ser agradável a todos. Particularmente, me dava muito bem com esse colega médico de privilegiada inteligência e sensibilidade notável.

Nos conhecemos em razão de haver um determinado hospital onde eu havia recebido (e prontamente declinado) o convite para dirigir tecnicamente a instituição. Recusei o convite por se tratar de um autêntico campo de batalha política entre duas famílias que disputavam a hegemonia sobre a referida instituição pública. Eram políticos em pé de guerra, e o modo como tratavam (ambos os braços políticos) aquele hospital suscitava em mim um sentimento de legítima repugnância. Aliás, minha simpatia para com aqueles políticos se equivale à simpatia que nutro para com os protozoários e para com os helmintos (organismos parasitários). E não nego uma certa extensão desta simpatia de modo um pouco mais abrangente.

Meu colega médico era casado, tinha filhos e era sempre visível o desconforto que sentia devido ao fato de ter de permanecer por longos períodos afastado de sua família. Possuía uma preocupação constante, ainda que aparentemente adequada, com o bem estar dos seus, e por isso mesmo era um médico que se esforçava a fim de suportar, de modo heróico, turnos de trabalho em que, além de ter de cuidar de pacientes internados, prestar auxílio no setor de urgência e emergências do hospital, também lhe havia sido dada a incumbência de receber pacientes transferidos e de transferir pacientes, quando fosse o caso. Tinha ele também um ambulatório a atender, cuja média ponderada de pacientes a serem atendidos por turno de trabalho era de sessenta pessoas. Um absurdo! Era um hospital do SUS. Francamente falando, era um circo dos horrores, razão pela qual minha decisão de recusar dirigir aquele balbúrdia era, e continuaria sendo, completa e absolutamente compatível com minhas exigências técnicas e com meu amor ao próximo. Cheguei a entrar naquele front de guerra, mas não se passaram nem vinte e quatro horas até que eu percebesse, de modo nítido e cristalino, que aqueles políticos não tinham nenhum interesse autêntico pelo bem estar daquelas pessoas e muito menos amor por elas. Enfim, um ambiente não compatível com um coração cristão. E eu sou cristão.

Não tenho como afirmar se meu colega médico superestimou as suas próprias forças, ou se subestimou o descaso e a perversidade daqueles políticos. De qualquer modo, o que narro a seguir é a mais autêntica manifestação clínica da Síndrome da qual parecia padecer o próprio Freudenberger, a Síndrome de Burn Out.


Burn Out é uma expressão da língua inglesa (a two or three word verb) e que significa uma chama que desvanece, um fogo que se vai apagando aos poucos, e que definitivamente cessa. E isto nada tem a ver com Burn Up, que significa: queimar por completo (um dos equívocos frequentemente cometidos por tentativas mal sucedidas de se traduzir para o Português o que significa Burn Out).

Passados alguns poucos meses, meu colega médico entrou em franco processo depressivo. Não somente sua força física declinava, mas, e principalmente, seus parâmetros para aferição de sua própria auto-estima se iam enfraquecendo e desvanecendo de modo doloroso (Burn Out).

Intrigantemente, diante de uma situação física, psíquica e afetivamente insuportável e insustentável, meu colega médico passou a assumir e a tomar sobre si uma carga de trabalho desumana. Movimentava-se pelo hospital de modo ligeiro, comparecendo sempre que era solicitado a lidar com esta ou com aquela situação, e para a direção (político-parasitária) da instituição aquele era um profissional exemplar. Evidentemente, os protozoários observavam o desenrolar dos acontecimentos sem deixar arrefecer seus confortáveis assentos.

A intenção do meu colega era a melhor possível, não somente para com o compromisso familiar que possuía, de sustento dos seus, bem como o compromisso médico por definição.

Algum tempo se passou, e já ninguém mais o encontrava. Meu colega médico havia, simplesmente, desaparecido.

Passadas cerca de 48 horas, e meu colega foi encontrado. Estava isolado em um cubículo nas recâmaras mais ocultas do tal hospital. Estava muito doente, completamente apático e desejando morrer. Uma situação dramática, lamentável e muito triste.

Ele simplesmente não pôde suportar a insuportável pressão que sobre ele haviam lançado. Entre seu compromisso profissional e o amor à profissão, confrontado que estava com uma situação desumana e insustentável, lhe pulsava na consciência como lidar com aquele desastre administrativo ao mesmo tempo em que lhe pesavam as angústias de ter de sustentar sua família. O resultado não foi outro senão a exaustão extrema e a impotência humana em ter de lidar com algo sobre-humano.

Sem nos alongarmos neste texto, a Síndrome descrita por Herbert J. Freudenberger, significa exatamente isto: um estado de exaustão extrema, insuportável, e que, em muitas das vezes não é imediatamente perceptível. Mas que conduz a significativas alterações do humor, ansiedade, má nutrição, sensação de impotência, e até de desespero, diante de uma situação de solicitação profissional insuportável.

E, para finalizar, nós, médicos, nos encontramos nas primeiras fileiras dos que são suscetíveis a padecer da Síndrome de Burn Out.
Em meu caso particular, desde que abandonei, e definitiva e completamente, os atendimentos pelo Sistema Único de Saúde, já, graças a Deus, são mínimas as chances de que eu venha a padecer desta horrorosa síndrome.
Meus respeitos e carinhosas considerações aos colegas que trabalham no SUS. Eu mesmo, trabalhei para o SUS por cerca de 15 anos. Hoje possuo 23 anos de atividade profissional como médico. Mas afirmo, reitero e digo: SUS, nunca mais!

*Herbert J. Freudenberger (1926 – 1999) foi um psicólogo alemão, naturalizado americano. Além de sua atividade na prática clínica, foi também um autor cuja contribuição para a compreensão e para o tratamento do estresse, sobretudo a Síndrome de Burnout e também para a abordagem terapêutica do abuso de substâncias, foram marcadamente notáveis.
Freudenberger foi um dos primeiros autores a descrever os sintomas da exautão profissional e que o conduziu a uma pormenorizada descrição sobre o Burnout. Seu primeiro livro sobre o tema foi publicado em 1980, o qual se tornou um referencial para o estudo sobre este fenômeno. Recebeu o prêmio American Psychological Foundation Gold Medal Award for Life Achievement na prática da Psicologia em 1999.

 

Dr Eduardo Adnet

Médico Psiquiatra e Nutrólogo