A Síndrome de Burnout
Não é nada difícil de se encontrar as mais diversas e
conflitantes definições do que seja a Síndrome de Burn Out
(posteriormente contraída a expressão para Burnout),
originalmente descrita pelo psicólogo alemão Herbert J.
Freudenberger, sobre quem falaremos logo adiante.
Chamar a esta séria entidade psicopatológica de, simplesmente,
estresse profissional é, no mínimo, uma apresentação um tanto
quanto reducionista e que não se enquadra na descrição que o
próprio decodificador desta doença psiquiátrica nos forneceu.
Antes, porém, de falarmos sobre Freudenberger (quem delineou a
Síndrome), darei um exemplo que eu mesmo presenciei, o qual é
uma autêntica expressão na prática do que falava Freudenberger,
portanto, do que é a autêntica Síndrome de Burn-Out (é desta
forma que está grafada em seu livro). Embora estejam diversos
profissionais, das mais diferentes áreas, sujeitos a padecer
desta síndrome, me utilizarei do exemplo dos médicos, uma
categoria profissional altamente exposta e vulnerável a padecer
da Síndrome de Freudenberger, a Síndrome de Burnout.
Não se enfade o amigo leitor deste artigo em razão dos detalhes
que apresentarei, caso seja de seu interesse conhecer o que
seja, de fato, a Síndrome de Burn Out.
Trata-se da história de vida de um colega médico com o qual
convivi já faz um bom tempo. Por razões óbvias, não mencionarei
nem seu nome e nem o nome da instituição em questão e por causa
da qual viemos a nos conhecer.
Era um colega de média estatura, pele morena, calvo, com óculos
de armação pesada, muito simpático e que parecia sempre se
esforçar por ser agradável a todos. Particularmente, me dava
muito bem com esse colega médico de privilegiada inteligência e
sensibilidade notável.
Nos conhecemos em razão de haver um determinado hospital onde eu
havia recebido (e prontamente declinado) o convite para dirigir
tecnicamente a instituição. Recusei o convite por se tratar de
um autêntico campo de batalha política entre duas famílias que
disputavam a hegemonia sobre a referida instituição pública.
Eram políticos em pé de guerra, e o modo como tratavam (ambos os
braços políticos) aquele hospital suscitava em mim um sentimento
de legítima repugnância. Aliás, minha simpatia para com aqueles
políticos se equivale à simpatia que nutro para com os
protozoários e para com os helmintos (organismos parasitários).
E não nego uma certa extensão desta simpatia de modo um pouco
mais abrangente.
Meu colega médico era casado, tinha filhos e era sempre visível
o desconforto que sentia devido ao fato de ter de permanecer por
longos períodos afastado de sua família. Possuía uma preocupação
constante, ainda que aparentemente adequada, com o bem estar dos
seus, e por isso mesmo era um médico que se esforçava a fim de
suportar, de modo heróico, turnos de trabalho em que, além de
ter de cuidar de pacientes internados, prestar auxílio no setor
de urgência e emergências do hospital, também lhe havia sido
dada a incumbência de receber pacientes transferidos e de
transferir pacientes, quando fosse o caso. Tinha ele também um
ambulatório a atender, cuja média ponderada de pacientes a serem
atendidos por turno de trabalho era de sessenta pessoas. Um
absurdo! Era um hospital do SUS. Francamente falando, era um
circo dos horrores, razão pela qual minha decisão de recusar
dirigir aquele balbúrdia era, e continuaria sendo, completa e
absolutamente compatível com minhas exigências técnicas e com
meu amor ao próximo. Cheguei a entrar naquele front de guerra,
mas não se passaram nem vinte e quatro horas até que eu
percebesse, de modo nítido e cristalino, que aqueles políticos
não tinham nenhum interesse autêntico pelo bem estar daquelas
pessoas e muito menos amor por elas. Enfim, um ambiente não
compatível com um coração cristão. E eu sou cristão.
Não tenho como afirmar se meu colega médico superestimou as suas
próprias forças, ou se subestimou o descaso e a perversidade
daqueles políticos. De qualquer modo, o que narro a seguir é a
mais autêntica manifestação clínica da Síndrome da qual parecia
padecer o próprio Freudenberger, a Síndrome de Burn Out.
Burn Out é uma expressão da língua inglesa (a two or three word
verb) e que significa uma chama que desvanece, um fogo que se
vai apagando aos poucos, e que definitivamente cessa. E isto
nada tem a ver com Burn Up, que significa: queimar por completo
(um dos equívocos frequentemente cometidos por tentativas mal
sucedidas de se traduzir para o Português o que significa Burn
Out).
Passados alguns poucos meses, meu colega médico entrou em franco
processo depressivo. Não somente sua força física declinava,
mas, e principalmente, seus parâmetros para aferição de sua
própria auto-estima se iam enfraquecendo e desvanecendo de modo
doloroso (Burn Out).
Intrigantemente, diante de uma situação física, psíquica e
afetivamente insuportável e insustentável, meu colega médico
passou a assumir e a tomar sobre si uma carga de trabalho
desumana. Movimentava-se pelo hospital de modo ligeiro,
comparecendo sempre que era solicitado a lidar com esta ou com
aquela situação, e para a direção (político-parasitária) da
instituição aquele era um profissional exemplar. Evidentemente,
os protozoários observavam o desenrolar dos acontecimentos sem
deixar arrefecer seus confortáveis assentos.
A intenção do meu colega era a melhor possível, não somente para
com o compromisso familiar que possuía, de sustento dos seus,
bem como o compromisso médico por definição.
Algum tempo se passou, e já ninguém mais o encontrava. Meu
colega médico havia, simplesmente, desaparecido.
Passadas cerca de 48 horas, e meu colega foi encontrado. Estava
isolado em um cubículo nas recâmaras mais ocultas do tal
hospital. Estava muito doente, completamente apático e desejando
morrer. Uma situação dramática, lamentável e muito triste.
Ele simplesmente não pôde suportar a insuportável pressão que
sobre ele haviam lançado. Entre seu compromisso profissional e o
amor à profissão, confrontado que estava com uma situação
desumana e insustentável, lhe pulsava na consciência como lidar
com aquele desastre administrativo ao mesmo tempo em que lhe
pesavam as angústias de ter de sustentar sua família. O
resultado não foi outro senão a exaustão extrema e a impotência
humana em ter de lidar com algo sobre-humano.
Sem nos alongarmos neste texto, a Síndrome descrita por Herbert
J. Freudenberger, significa exatamente isto: um estado de
exaustão extrema, insuportável, e que, em muitas das vezes não é
imediatamente perceptível. Mas que conduz a significativas
alterações do humor, ansiedade, má nutrição, sensação de
impotência, e até de desespero, diante de uma situação de
solicitação profissional insuportável.
E, para finalizar, nós, médicos, nos encontramos nas primeiras
fileiras dos que são suscetíveis a padecer da Síndrome de Burn
Out.
Em meu caso particular, desde que abandonei, e definitiva e
completamente, os atendimentos pelo Sistema Único de Saúde, já,
graças a Deus, são mínimas as chances de que eu venha a padecer
desta horrorosa síndrome.
Meus respeitos e carinhosas considerações aos colegas que
trabalham no SUS. Eu mesmo, trabalhei para o SUS por cerca de 15
anos. Hoje possuo 23 anos de atividade profissional como médico.
Mas afirmo, reitero e digo: SUS, nunca mais!
*Herbert J. Freudenberger (1926 – 1999) foi um psicólogo
alemão, naturalizado americano. Além de sua atividade na prática
clínica, foi também um autor cuja contribuição para a
compreensão e para o tratamento do estresse, sobretudo a
Síndrome de Burnout e também para a abordagem terapêutica do
abuso de substâncias, foram marcadamente notáveis.
Freudenberger foi um dos primeiros autores a descrever os
sintomas da exautão profissional e que o conduziu a uma
pormenorizada descrição sobre o Burnout. Seu primeiro livro
sobre o tema foi publicado em 1980, o qual se tornou um
referencial para o estudo sobre este fenômeno. Recebeu o prêmio
American Psychological Foundation Gold Medal Award for Life
Achievement na prática da Psicologia em 1999.
Dr Eduardo Adnet
Médico Psiquiatra e Nutrólogo