Dr Eduardo Adnet


Médico Psiquiatra e Nutrólogo

Insônia. Causas e Tratamentos

Insônia, sai pra lá que eu não te quero!

 


Se alguém, porventura, achar que o título deste artigo parece sugerir uma propaganda de remédio pra dormir, tenho que concordar. Ficou parecendo, sim! Mas o motivo deste texto vai bem além desta mera coincidência. A insônia é um problema que afeta muitas pessoas, e sua prevalência na população aumenta a cada dia que passa. É disto o que trataremos a seguir.

Lembro-me de uma senhora que tratei, super simpática, gorducha e amável, na faixa dos seus 50 anos, e que sofria de uma insônia terrível. Chegava a ficar por sete dias sem conseguir dormir, algo surpreendente. Mais surpreendente ainda era o fato de seu humor não se alterar de modo significativo, mesmo a despeito daquele sofrimento. Era sempre muito simpática. Por vezes falava comigo (no início do tratamento) com os olhos se fechando de cansaço, mas mesmo exausta, não dormia. Era um suplício. Passou anos assim antes que sua insônia fosse adequadamente tratada. Evidentemente que havia prejuízos diversos em sua vida diária, consequências da insônia.
Em cerca de duas semanas após o início do tratamento, já dormia a noite toda e já tinha sua fisionomia dramaticamente mudada, sendo que o humor desta vez se mostrou aprimorado. Foi uma grande alegria, tanto pra ela quanto pra mim.

Já um outro caso, este ainda mais severo, era de um rapaz, na faixa dos trinta anos, que ficava sem dormir por mais de dez dias, algo do que até a Ciência parece duvidar. Já estava tão acostumado à sua própria insônia (uma adaptação disfuncional) que não se surpreendia se passasse dois ou três dias sem dormir um segundo sequer. E para ambos os casos, os resultados da medicação foram excelentes. E falaremos disto logo adiante.

Citei dois exemplos de casos severos para ressaltar que nem um dos dois pacientes acima sofria de Mania, uma condição psiquiátrica onde o pensamento fica acelerado, o indivíduo fica agitado, com humor eufórico e com evidentes alterações comportamentais. Não, em nenhum dos casos acima havia o menor sinal de Mania ou de Hipomania. Tratava-se de insônia pura e simples. “Insônia pura e simples” pode até parecer uma expressão inadequada para um texto escrito por um médico psiquiatra, mas a realidade é que existem pessoas que são exaustivamente investigadas em distintos terrenos de especialidades médicas e o resultado das investigações parece um andar em círculos sem que a causa do problema termine por aflorar. Em outras palavras, não se encontra uma explicação nem plausível e muito menos racional para a causa da insônia. Mas ela está lá, atormentando a vida do sujeito, e algo precisa ser feito. As consequências da insônia são diversas e podem chegar a ser surpreendentes.

 


Outro ponto muito importante quando se trata de abordarmos a problemática da insônia é o fato de esta ter o potencial de fazer piorar uma gama enorme de transtornos psiquiátricos os mais diversos. A insônia pode piorar a ansiedade, a depressão, o transtorno bipolar, as fobias, as compulsões, os vícios, enfim, a insônia merece grande destaque (e tratamento) na Psiquiatria.

Enfatizo em desassociar, neste artigo específico, a insônia relacionada a problemas respiratórios, como a apnéia obstrutiva do sono ou o ronco (o ressonar durante o sono) este último também relacionado a disfunções das vias respiratórias. Estamos aqui nos referindo a pessoas que não possuem nem apnéia do sono ou que sequer roncam, mas que sofrem de insônia.

O Centro para a Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC) já considera a insônia como uma epidemia em saúde pública. Um interessante levantamento estatístico, realizado de 2005 a 2008 pelo CDC, com indivíduos com idade igual ou superior a vinte anos, mostrou que 85,1 por cento da população estudada apresentava queixas relacionadas às consequências da insônia. São elas, nesta ordem:

1- Dificuldade de concentração
2- Problemas de memória
3- Dificuldades no exercício das funções do trabalho, e mesmo na prática de hobbies
4- Problemas relacionados ao ato de dirigir
5- Dificuldades para planejar a vida financeira
6- Dificuldades de desempenho em trabalhos voluntários

Outras queixas frequentes também incluem: irritabilidade, episódios de ira e de explosividade, aumento do apetite, aumento ou diminuição da libido, e menor capacidade de resistência psíquica e afetiva (emocional) em comportamentos envolvendo toxicodependência.

Um outro sério problema apontado é a relação da insônia com acidentes de trânsito e com acidentes do trabalho. Segundo o CDC, pessoas que sofrem de insônia possuem uma maior propensão a sofrer de determinadas doenças crônicas, como a hipertensão, o diabetes, depressão, obesidade severa, cardiopatias, problemas imunológicos e perda de qualidade de vida.

Segundo a Fundação Nacional do Sono dos EUA (The National Sleep Foundation), crianças de 5 a 10 anos de idade necessitam de 10-11 horas de sono por dia, adolescentes (10-17 anos) de 8.5 a 9.5 horas de sono por dia, e adultos de 7-9 horas. (National Sleep Foundation, How Much Sleep Do We Really Need? 2011).

Curiosamente, não parece haver nenhuma evidência que suporte a afirmação de que dormir demais seja prejudicial à saúde, mas o contrário não é verdadeiro. Segundo um conjunto de informações disponibilizadas pelo Instituto de Medicina dos EUA, pelo Departamento Nacional de Transportes norte-americano e pelo Centro Nacional de Estatísticas dos Estados Unidos, há um aumento da mortalidade entre indivíduos que sofrem de insônia em comparação a pessoas que dormem normalmente.

Embora diversos casos de insônia só possam ser resolvidos com medicação, algumas medidas podem ser tomadas no sentido de se propiciar um sono melhor. Eis algumas dessas medidas:

-Manter um horário regular para se deitar e para acordar, incluindo os fins de semana.
-Prover um local confortável, escuro, silencioso e bem ventilado para dormir.
-Manter uma rotina de atividades progressivamente relaxantes antes de se deitar (um banho confortável, uma leitura agradável, ouvir algumas músicas relaxantes).
-Buscar adequar, da melhor maneira possível, tanto o colchão como o travesseiro, que devem ser adequados ao perfil anatômico de cada pessoa.
-Fazer a última refeição de 2 a 3 horas antes de se ir deitar
-Exercícios físicos regulares
-Evitar substâncias com propriedades estimulantes (café, refrigerantes contendo cafeína, chocolates, erva-mate, dentre outros).
-Não ingerir bebidas alcoólicas.

Quanto ao último tópico, o álcool, há pessoas que equivocadamente acreditam que o álcool ajuda no sono. Na realidade, o sono induzido, ainda que parcialmente, pelo álcool tende a ser um sono fragmentado e de má qualidade. Isto sem falar no enorme esforço metabólico que o corpo realiza a fim de metabolizar o álcool, o que é feito por uma via metabólica complexa e que requer muita energia do nosso organismo.

O Tratamento Farmacológico da Insônia

Como praticamente tudo em Medicina, o tratamento deve ser individualizado e norteado pelas necessidades de cada paciente. Particularmente, nutro uma forte dose de antipatia aos chamados Protocolos de Tratamento, e isto porque há diversos casos para os quais esses tais protocolos não são adequados. De qualquer modo, hoje é bem mais fácil de se tratar a insônia do que há alguns anos atrás, devido ao amplo arsenal farmacológico disponível para o tratamento da insônia primária (quando não está associada a uma doença específica).

Há que se identificar se a insônia é inicial (a pessoa custa a adormecer), se a insônia é intermediária (desperta várias vezes durante a noite), ou se é a chamada insônia terminal (a pessoa acorda antes da hora e não consegue mais dormir). Já partindo do ponto em que potenciais causas médicas já foram investigadas a fim de se detectar a etiopatogenia (a causa) de cada caso de insônia em particular, o passo seguinte é a compreensão da fisiopatologia (como ela se apresenta) da insônia de que se queixa o paciente. O passo seguinte é a escolha da medicação mais adequada a cada caso. Neste ponto, as abordagens farmacoterapêuticas (o tratamento com medicamentos) podem variar amplamente.

Dentre as categorias farmacológicas mais utilizadas no tratamento da insônia estão, não nesta ordem: os benzodiazepínicos, os tricíclicos, os anti-histamínicos, os antipsicóticos, anticonvulsivantes, os cronobióticos e as imidazopiridinas.

No momento, um novo medicamento, o Suvorexant, se encontra na Fase III de estudos e trata-se de um antagonista dos receptores da orexina, um neurotransmissor presente em neurônios do Hipotálamo e relacionado a efeitos neuro-estimulantes. O Suvorexant é um antagonista dos receptores OX(1)R e OX(2)R.


A compreensão das queixas dos pacientes, uma investigação bem feita e uma boa dose de conhecimentos em psicofarmacoterapia são ingredientes indispensáveis para o tratamento bem sucedido da insônia em suas múltiplas formas de apresentação.


Referências:

-National Sleep Foundation, How Much Sleep Do We Really Need? 2011
-Institute of Medicine. Sleep Disorders and Sleep Deprivation: An Unmet Public Health Problem. Washington, DC: The National Academies Press; 2006.
-US Department of Transportation, National Highway Traffic Safety Administration, National Center on Sleep Disorders Research, National Heart Lung and Blood Institute. Drowsy driving and automobile crashes [National Highway Traffic Safety Administration].
-Schoenborn CA, Adams PF. Health behaviors of adults: United States, 2005–2007. National Center for Health Statistics. Vital Health Stat 10(245). 2010.
-Sleepdex™
-CDC. Youth Risk Behavior Surveillance—United States, 2009. MMWR 2010;59:SS-5.
-Australian Sleep Association
-U. S. Food and Drug Administration

 

Dr Eduardo Adnet

Médico Psiquiatra e Nutrólogo