Autismo e Síndrome de Asperger
Uma das maiores alegrias que já tive ao longo de vinte e cinco
anos de profissão foi o privilégio de tratar de uma adorável
criança trazida por sua mãe ao consultório, usando uma
quantidade espantosa de medicamentos e com resultados de
tratamento absolutamente insatisfatórios. Era uma criança bem
mais alta e mais corpulenta para a média de sua idade,
incessantemente inquieta, com graves dificuldades na fala,
completamente desatenta, pulava o tempo todo e se lançava em
saltos para abraçar a mãe, algumas vezes lançando-a no chão
devido ao seu tamanho e corpulência. Mantê-la quieta, por alguns
poucos instantes que fosse, parecia uma tarefa impossível. A
criança caía no chão o tempo todo, embora sempre se levantasse
rindo e novamente disposta a abraçar e a beijar sua mãe.
O problema estava em diagnósticos mal feitos e em um tratamento
inadequado. Tratava-se de um caso clássico de Autismo. Após
poucas semanas de tratamento, a menina já era outra. Toda a
medicação foi trocada, as dosagens foram sendo ajustadas
progressivamente e a paciente já não mais sofria as quedas
frequentes, como também apresentou, em pouco tempo, uma
impressionante melhora da fala. Foi uma grande alegria para
todos nós, graças a Deus.
Tanto o Autismo como a Síndrome de Asperger têm sido alvo de
diversos estudos e pesquisas, as quais se intensificaram
bastante a partir da segunda metade do Século XX. Aqui o
evidente destaque ao médico austríaco Dr. Hans Asperger (cuja
síndrome leva seu nome) que publicou o famoso artigo "A
Psicopatia Autista na Infância" em 1943, um trabalho que ficou
bastante obscurecido em razão do momento de sua publicação, em
1943, ou seja, em meio a Segunda Grande Guerra.
Todavia, a partir da década de noventa, os trabalhos do Dr. Hans
Asperger foram sendo progressivamente, e finalmente, cada vez
mais reconhecidos em ampla escala no mundo todo, sendo até hoje
o Dr. Hans Asperger merecidamente considerado como um dos
maiores e mais importantes pioneiros no estudo do Autismo.
Ironicamente, mesmo após o já existente amplo corpo de estudos
sobre a Síndrome de Asperger, o Conselho da Associação
Psiquiátrica Americana (APA) resolveu abandonar o caminho rumo
ao fortalecimento da compreensão do diagnóstico isolado da
Síndrome de Asperger, causando um "desfavor" a muitos
pesquisadores, médicos psiquiatras, neuropediatras e a outros
profissionais especializados no tratamento de portadores de
Síndrome de Asperger. Isto sem falar na irônica contradição que
foi lançada sobre os resultados de tantos trabalhos valiosos que
vieram na esteira dos estudos do próprio Dr. Hans Asperger ao
longo de tantos anos. Ou seja, ao invés de se dar mais espaço
para os estudos no vastíssimo território ao qual pertence a
Síndrome de Asperger, criou-se a categoria de Transtornos do
Espectro Autista que pode vir a ter efeito contrário, ou seja,
dando margem a diagnósticos reducionistas, mecanicistas e menos
sofisticados.
Convém aqui lembrar que o DSM (Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders - Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais) é uma publicação da
Associação Psiquiátrica Americana e não reúne consenso entre
psiquiatras de todo o mundo, muito pelo contrário. Cresce, a
cada nova revisão dos DSMs da APA, a rejeição por parte de
psiquiatras de vários paises e mesmo entre os norte-americanos,
em razão das metodologias adotadas pela APA para a revisão de
seus DSMs, algumas dessas metodologias um tanto quanto curiosas
e até mesmo estranhas.
Não cabe aqui nenhuma insinuação de descrédito aos DSMs
norte-americanos, embora, verdade seja dita, a Psiquiatria
norte-americana parece estar tomando um rumo perigoso em razão
de sua excessiva carga de critérios de diagnósticos
demasiadamente sistematizados. Estão criando para si próprios
"protocolos" de diagnósticos exageradamente recheados de
"exigências" para os diagnósticos em Psiquiatria.
Se os rumos continuarem sendo estes, não é impossível de se
acreditar que um dos próximos passos será criar algum software
ou aplicativo para diagnósticos em Psiquiatria, em detrimento da
insubstituível avaliação clínica feita pelos psiquiatras.
Poder-se-ia dizer que em razão das questionáveis metodologias
utilizadas nas revisões dos DSMs feitas nos últimos anos que a
Psiquiatria norte-americana está se tornando cada vez mais fria
e robotizada. Parece que estão se esquecendo da alma dos
pacientes e também da alma dos psiquiatras.
O franco declínio que hoje atinge diversas escolas da Psicologia
(algumas delas em acelerado processo de extinção) tem se dado
justamente pelo desequilíbrio nas tentativas de compreensão do
comportamento mental patológico superestimando-se os aspectos
afetivos envolvidos na psicopatogênese de transtornos mentais em
detrimento da compreensão dos fatores biológicos envolvidos na
psicopatologia desses transtornos.
Por outro lado, a excessiva ênfase nos aspectos biológicos
envolvidos na psicopatogênese dos transtornos mentais em
detrimento dos aspectos essencialmente psíquicos é, sem dúvida,
um rumo perigoso que a Psiquiatria norte-americana está tomando.
A boa notícia, entretanto, é que o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais norte-americano não é nem o
melhor e nem o mais utilizado manual de Classificação de
Transtornos Mentais no mundo. A Classificação Internacional de
Doenças (CID) continua sendo a melhor e mais utilizada obra de
classificações de doenças em todo o mundo, inclusive no que diz
respeito aos Transtornos Psiquiátricos. A Classificação
Internacional de Doenças (CID) é uma publicação da Organização
Mundial de Saúde.
O Autismo e a Síndrome de Asperger
De modo simplificado, o que distingue a Síndrome de Asperger do
Autismo é a maior severidade dos sintomas no Autismo e a
ausência de atrasos da linguagem na Síndrome de Asperger.
Crianças portadoras da Síndrome de Asperger frequentemente têm
boa linguagem e habilidades cognitivas muitas vezes notáveis.
Para o observador leigo, uma criança com Síndrome de Asperger
pode parecer uma criança normal e que apenas se comporta de
forma diferente ou excêntrica, por vezes bastante desajeitadas.
Já as crianças autistas frequentemente parecem mais distantes e
menos interessadas nos outros ao redor, o que não é o caso das
portadoras da Síndrome de Asperger. Indivíduos com Síndrome de
Asperger geralmente desejam se relacionar com o grupo, interagir
com os outros, porém não sabem como fazê-lo. Podem ser
socialmente retraídos, não compreender bem regras e normas de
conduta social, e podem evidenciar uma deficiência de empatia
que dificilmente deixa de ser notada.
Frequentemente apresentam limitações no contato visual
interativo dentro dos grupos de convívio, dificuldade em
participar de conversas, por mais simples que sejam, e podem
também apresentar pobreza na compreensão dos gestos da linguagem
não verbal.
Convém aqui lembrar que a dificuldade no contato visual dos
portadores da Síndrome de Asperger não é patognomônico para esta
condição, ou seja, há crianças e adolescentes que embora possam
estabelecer contatos visuais normais em sua interação com outras
pessoas, isto não exclui o diagnóstico de Asperger.
Na Síndrome de Asperger, interesses específicos por determinas
atividades, determinados brinquedos selecionados, temas
específicos, coleções, dentre outros interesses, podem ser
bastante persistentes podendo mesmo chegar a ser obsessivos.
Podem evidenciar habilidades intelectivas impressionantes para
atividades mentais como cálculos, recordações de datas e de
números, conhecer os nomes de todos os jogadores de vários times
de futebol, apresentarem sistematizações mentais surpreendentes
para diversas tarefas intelectivas, ao mesmo tempo em que podem
demonstrar pobreza na compreensão de conceitos que requeiram
abstrações mentais padronizadas e universalmente aceitas. As
habilidades intelectivas dos portadores da Síndrome de Asperger
podem, dessa forma, ser bastante seletivas, específicas e
involuntárias.
Outra das principais diferenças entre a Síndrome de Asperger e
Autismo é que, por definição, não há atraso significativo na
fala na Síndrome de Asperger. Crianças com Síndrome de Asperger
frequentemente têm vocabulário extenso, é comum se utilizarem de
vocábulos e de expressões rebuscadas e geralmente falam
bastante, o que pode ser episódico. Trata-se do uso peculiar da
linguagem no caso desses pacientes, podendo apresentar um
discurso rítmico e enfático ou excessivamente formal, podendo
falar em voz alta a maior parte do tempo, ou com a tonalidade
mais aguda. Quando tensas, ou sob pressões específicas, mesmo
com um modo de falar que chama a atenção pela excentricidade,
podem não conseguir comunicar aos outros o que realmente estão
querendo dizer. O falar por vezes rebuscado e excessivamente
metódico de portadores da Síndrome de Asperger pode estar
mascarando uma real dificuldade de expressão.
Crianças com a Síndrome de Asperger podem não compreender as
sutilezas da linguagem, como a ironia ou o humor, por exemplo, o
que faz com que possam não achar graça de alguma piada solta em
uma conversa, ou não detectarem mensagens ditas por entrelinhas
em uma conversa em grupo. É comum que se lhes passem
desapercebidas diversas inflexões da linguagem.
Ainda outra distinção entre o Autismo e a Síndrome de Asperger
diz respeito às habilidade cognitivas. Enquanto alguns
indivíduos com Autismo apresentam atrasos cognitivos notáveis,
por vezes com expressivo retardo, na Síndrome de Asperger
comumente não há atrasos cognitivos clinicamente significativos
e não é incomum possuírem inteligência acima da média, o que não
é o caso do Autismo.
Embora dificuldades motoras não sejam um critério específico
para o diagnóstico da Síndrome de Asperger, é bastante comum
observarmos nesses pacientes diferentes graus de prejuízo nas
habilidades de coordenação e de sintonia de movimentos.
Embora sendo doenças crônicas e sem cura definitiva, o
diagnóstico e o tratamento tanto para o Autismo como para a
Síndrome de Asperger convém sejam estabelecidos o mais
precocemente possível.
Síndrome de Asperger
Dr Eduardo Adnet
Médico Psiquiatra e Nutrólogo