O Suicídio de Sigmund Freud
“Sigmund Freud cometeu suicídio em 1939 através de uma dose letal de Morfina. Sua influência, entretanto, continuou a se difundir na medida em que o campo da Psicologia se expandia. No tempo de sua morte, já havia diversas sociedades psicanalíticas ao redor do mundo modeladas a partir da Sociedade Psicanalítica de Viena com seus adeptos, alguns bem conhecidos, tais como: Alfred Adler, Carl Jung, e Otto Rank.” (WGBH Educational Foundation).
Uma peça de teatro chamada Freud's Last Session (A Última
Sessão de Freud) estreou recentemente nos Estados Unidos e traz
de volta alguns aspectos da vida de Sigmund Freud, bem como
reinicia alguns debates sobre o chamado pai da Psicanálise,
incluindo o seu suicídio em Londres, em 1939. Segundo os
produtores da peça teatral, “amor, sexo, e a existência de Deus
são os principais assuntos discutidos em cena”. O jornal Los
Angeles Times publicou uma avaliação sobre a peça,
considerando-a superficial em sua avaliação. “Este encontro
teológico entre um Freud moribundo e o autor C.S. Lewis no palco
se mantém na superficialidade.” (Los Angeles Times; Janeiro
de 2013)
“A Última Sessão de Freud, escrita por Mark St. Germain e
baseada no livro A Questão de Deus, de Armand M.
Nicholai, Jr, é uma peça cuidadosamente equilibrada desenhada
para permitir que duas das maiores mentes do século vinte
debatam por cerca de noventa minutos no palco.” (Chicago
Tribune).
A Última Sessão de Freud trata de uma discussão
imaginária entre o morávio Sigmund Freud, um ateu professo, e o
professor, teólogo e autor irlandês C.S. Lewis, dentre cujas
obras mais conhecidas está The Chronicles of Narnia (As
Crônicas de Nárnia), considerada um clássico da literatura,
tendo vendido mais de 120 milhões de cópias em todo o mundo.
Os tópicos centrais de A Última Sessão de Freud são a
existência de Deus e o sentido da vida vistos sob a pespectiva
de um ateu, Sigmund Freud, e sob a perspectiva de um teólogo
Cristão, C.S. Lewis.
“Freud gostaria de ver Lewis em seu divã, para saber se o seu
desejo de buscar a Deus seria uma busca por uma figura paterna
ideal. Lewis, por sua vez, indaga se as raízes do ateísmo de
Freud teriam alguma coisa a ver com sua decepção em relação a
ineficácia de seu pai.” (Los Angeles Times; Janeiro de 2013)
A seguir, alguns dados reais sobre a vida de
Sigmund Freud (1856 — 1939)
Sigmund Freud nasceu em 1856, na Morávia (hoje uma região
pertencente à República Checa), de uma família judia. Seu pai,
Kallamon Jacob Freud, era um judeu comerciante, viúvo e de
modestas posses que viria a se casar com Amália, segunda esposa
de Jacob e mãe de Sigmund Freud. Sua mãe era, na realidade, a
terceira esposa de Jacob Freud e era mais nova do que o filho
mais velho do seu primeiro casamento. Quando ainda criança, sua
família se transferiu para Viena, Áustria. Seu pai costumava lhe
dar aulas de Hebraico a fim de que pudesse recitar o Antigo
Testamento na língua original em que foi escrito. Freud foi
criado com o auxílio de uma babá Cristã que frequentemente o
levava a uma igreja.
Freud cresceu em Viena e aos dezessete anos de idade começou a
frequentar a Universidade demostrando grande fascínio pela
Filosofia. Seus estudos sobre a obra de Charles Darwin o levaram
à opção por estudar Medicina, tendo-se graduado em 1881, sendo
inicialmente treinado em Neurologia. No início de seus estudos,
Freud se interessava bastante pelo funcionamento do cérebro,
porém sua perspectiva era eminentemente focada e estruturada nas
teorias evolucionistas de Charles Darwin. Freud apresentava uma
explícita tendência em buscar compreender e explicar o
comportamento humano tendo por base os escritos evolucionistas
de Darwin, as obras de Platão, de Jean-Martin Charcot, do médico
alemão Georg Groddeck, do filósofo humanista Feuerbach,
Friedrich Nietzsche, dentre outros. A despeito de ter sido
criado em um ambiente religioso, Freud viria a se tornar um ateu
fervoroso. Freud foi influenciado por Friedrich Nietzsche,
também ateu, e alguns autores apontam paralelos nas obras de
Freud com as de Nietzsche.
Ludwig Andreas Feuerbach (1804-1872), filósofo humanista¹
alemão, cuja obra influenciou notadamente a Sigmund Freud e a
Karl Marx, foi um dos disseminadores da idéia de que a religião
é uma alienação. Feuerbach atacava, de modo bastante agressivo,
as religiões e foi um dos responsáveis pela propagação do
chamado materialismo cientificista. Em seu livro Essence of
Christianity (Essência do Cristianismo), Ludwig Andreas
Feuerbach escreveu que Deus e o céu são meras criações humanas.
Sua influência na teoria psicanalítica de Sigmund Freud é bem
mais do que óbvia.
As semelhanças entre o que Freud e Karl Marx escreveram são
notáveis. Ambos asseveravam que a religião é uma ilusão e nenhum
dos dois acreditava na existência de uma alma imortal. Marx,
assim como Freud, também foi fortemente influenciado pelas
teorias de Charles Darwin. Freud escreveu: “Assim como o corpo
em seus estágios de desenvolvimento mostram traços de suas fases
passadas na evolução do homem, assim também o inconsciente pode
ser considerado, em alguns aspectos, um repositório de
experiências passadas nos primitivos períodos do seu
desenvolvimento ao longo da evolução”.
Curiosamente, ambos, Karl Marx e Sigmund Freud, eram seduzidos e
marcadamente obstinados pelo desejo de oposição a Deus.
“A religião é comparável a uma neurose da infância ... a
humanidade superará essa fase neurótica.” Sigmund Freud, The
Future of an Illusion
“Nada senão a vingança me resta. Eu desejo me vingar contra
Aquele que governa lá em cima.” Karl Marx (1818-1883)
Para Karl Marx, o pai do Comunismo, Deus deveria ser substituído
por um Estado totalitário, enquanto para Sigmund Freud, o pai da
Psicanálise, Deus deveria ser substituído pela ciência.
O pai da psicanálise, Sigmund Freud, é mais conhecido por suas
teorias sobre o inconsciente e por sua tendência em traçar quase
todos os problemas psicológicos de volta para questões sexuais.
De fato, os ensinos mais influentes de Freud estão na área do
reducionismo sexual. Como ateu, Freud buscou reduzir Deus a um
sonho dos homens, como materialista, buscou reduzir o homem ao
seu corpo, o corpo humano a instintos animais, desejos a pulsões
sexuais, e pulsões sexuais à genitália.
Apesar de que apenas partes de sua teoria sobre o
desenvolvimento psicossexual ainda sejam aceitas por segmentos
da Psicologia a nível internacional, a teoria de Freud sobre o
Complexo de Édipo parece ter-se tornado em uma espécie de ícone
cultural. Contudo, a visão de Freud sobre sexualidade e libido
eram bem mais complexas (e um tanto mais surreais) do que um
breve resumo de sua perspectiva sobre o Complexo de Édipo possa
sugerir.
Na visão de Freud, as primeiras percepções da sexualidade não
seriam genitais, mas sim orais. Esse chamado estágio oral,
segundo escreveu, seria marcado por uma percepção dos bebês no
que tange às sensações experimentadas pelos lábios e pela boca.
Posteriormente, quando crianças, entrariam estas na chamada fase
anal, onde a ênfase de Freud é agora posta sobre as sensações
reto-intestinais. A seguir, viria a chamada fase fálica, quando
as percepções das sensações experienciadas pela genitália, no
contexto de tocá-la ou devido às sensações da liberação de
urina, entra em proeminência.
No contexto de toda essa visão do desenvolvimento psicossexual
proposta por Freud, a mente desenvolveria uma estrutura
tríplice, o Id, o Ego e o Superego. O Id (um termo derivado do
Latim, e que significa "isso", originalmente concebido pelo
médico alemão Georg Groddeck, e tomado emprestado por Freud),
representaria a nossa mais elementar forma de interação com o
mundo, um desejo inconsciente de realização de nossos desejos.
Na medida do desenvolvimento da criança, ela se tornaria mais
consciente de si mesma e distinta de outros seres humanos e de
outros “objetos” relacionados com a satisfação de seus desejos.
A este aspecto consciente da mente, Freud chamou de Ego.
O Ego estaria em contato com o que Freud chamou de “princípio da
realidade”. Trocando em miúdos, o Ego passaria a compreender a
respeito de suas limitações e também sobre as estratégias para a
superação destas mesmas limitações. O foco da consciência se
expandiria do “o que eu quero” para o “como posso obtê-lo.”
Evidentemente, já que as limitações existem, e muitas delas são
impostas pela própria sociedade, as crianças logo aprendem que
ficar metendo o dedo no nariz o tempo todo, comer doces e balas
em excesso, ou ficar pela casa pulando e derrubando móveis
suscitará uma resposta da autoridade dos pais (os quais, por sua
vez, já aprenderam as limitações do convívio em sociedade),
vindo assim a disciplina e a punição. Devido a isto, segundo
Freud, a mente desenvolveria o que ele chamou de Superego. O
Superego seria o sentido internalizado da percepção das
limitações dos nossos desejos impostas pela sociedade. O que
para nós é a consciência e a percepção do nosso poder de escolha
entre o bem ou o mal, para Freud seria apenas um espelho da
estrutura social com suas limitações impostas.
Freud, então, elabora que as limitações impostas aos nossos
desejos, quer seja pela sociedade ou pela religião, redundaria
em sintomas tais como ansiedade, culpa e frustração. Na prática,
Freud incentivava seus pacientes a falarem livremente sobre seus
desejos e impulsos, na expectativa de desbloquear pensamentos e
sentimentos previamente reprimidos, em um processo que o levou a
concluir que as restrições impostas às pulsões e aos desejos
sexuais estariam na raiz de doenças psicológicas.
Freud asseverava que as pulsões e os desejos sexuais não
deveriam ser reprimidos, sob o risco de se fazer adoecer a
mente, levando ao que ele chamava de “Neuroses”, e isto em razão
das solicitações da “mente inconsciente”. Estavam, deste modo,
lançados os alicerces da Revolução Sexual dos anos 1950-60, e
que continua em curso, hoje sendo chamada de Liberação Sexual.
O psicanalista, e também ateu, francês Jacques Lacan (que dizia
de si próprio ser um freudiano), praticamente nada acrescentou
às teorias de Freud, senão reafirmar e reforçar as exigências e
o poder do inconsciente, e expandir o conceito de “desejo” de
Freud (centrado na sexualidade) para uma idéia mais abrangente
sobre o desejo. Para Jacques Lacan, o desejo teria um sentido
bem mais amplo (centrado nas ambições humanas).
“Que diferença faz quantos amantes alguém tiver se nenhum deles
lhe dará o universo?” Jacques Lacan (1901 - 1981)
Assim como Friedrich Nietzsche, Lacan também afirmava que Deus
está morto, e chegou a propor uma nova fórmula para o Ateísmo.
Para Lacan, Deus estar morto significava que Deus seria apenas
um conceito (significado) de restrições e de proibições na mente
das pessoas e um substituto para a figura dos pais. Para Lacan,
Deus seria uma projeção inventada pela mente com uma finalidade
de representação em relação aos nossos pais. Assim como Freud,
Lacan também acreditava que Deus é uma criação dos homens.
As concepções e idéias filosóficas de Freud em relação a Deus e
à religião estão expressas em suas duas mais famosas obras
anti-religiosas: Der Mann Moses und die Monotheistische
Religion (Moisés e o Monoteísmo) e Die Zukunft einer
Illusion (O Futuro de uma Ilusão). Para sermos realmente
civilizados, acreditava Freud, a humanidade teria que ser livre
do que ele chamava de ilusões, em referência a Deus e à
religião, e construir uma melhor ordenação do que a religião nos
pode dar.
Sigmund Freud tinha 83 anos quando pediu ao seu médico
particular que lhe injetasse uma overdose de Morfina, o que
causou sua morte, por suicídio assistido, em Londres, no dia 23
de setembro de 1939.
Algumas frases famosas de Sigmund Freud
“O objetivo de toda a vida é a morte.” Sigmund Freud, Beyond
the Pleasure Principle.
“Os desejos sexuais em relação à mãe se tornam mais intensos e o
pai é percebido como um obstáculo, o que dá origem ao complexo
de Édipo”. Sigmund Freud, The Ego and the Id.
“Nem todos os homens são dignos de amor”. Sigmund Freud,
Civilization and Its Discontents.
“Seria muito interessante se houvesse um Deus que criou o mundo
e que fosse benevolente, e se houvesse uma ordem moral no
universo, e se existisse uma vida após a morte.” Sigmund Freud,
The Future of an Illusion.
Em uma matéria sobre A Última Sessão de Freud, publicada pelo
The Detroit Jewish News e intitulada Rethinking Freud
(Repensando Freud) lemos que Mark St. Germain, autor da peça,
disse o seguinte:
“Pessoas representando todas as gerações têm vindo assistir, o
que tem suscitado muitas conversas privadas e discussões
abertas”.
Ainda a mesma matéria do The Detroit Jewish News, afirma
que o psicólogo e Phd Marc Rosen, da cidade de Southfield,
Michigan, e chefe do setor de informação ao público do
Michigan Psychoanalytic Institute and Society (Instituto e
Sociedade Psicanalítica de Michigan) concorda com Mark St.
German sobre o fato de as pessoas parecerem ter uma forte
curiosidade sobre Freud e sobre seus princípios psicanalíticos.
Particularmente, concordo tanto com Mark St. Germain bem como
com Marc Rosen. Esta realmente parece ser uma boa oportunidade
para sabermos um pouco mais sobre quem era, de fato, Sigmund
Freud e sobre o que se fundamentam os seus princípios
psicanalíticos.
Dr Eduardo Adnet
Médico Especialista em Psiquiatria
¹Humanismo: É uma corrente de pensamento filosófico que
considera o homem como o alvo central de toda a experiência e
existência humanas, rejeitando a visão espiritual centrada em
Deus. Difere do Humanitarismo, cuja característica principal é a
promoção do bem estar humano. Exs: "É um indivíduo humanista"
(Humanismo); "Nos tratou com humanidade" (Humanitarismo).
Referências:
-James Strachey, The Complete Psychological Works of Sigmund
Freud (Vintage Paperbacks, 2001)
-E. M. Thornton, The Freudian Fallacy: Freud and Cocaine
(Grafton Books, 1986)
-Charles McNulty, Freud's Last Session doesn't lend itself to
deep analysis; Los Angeles Times
-Public Broadcasting Service, The Life of Sigmund Freud
-Kendra Cherry, Life and Death Instincts
-Kreeft, Peter. “The Pillars of Unbelief - Freud” (January -
February 1988)
-NNDB, Sigmund Freud
-Max Schur, The Medical Case History of Sigmund Freud
-Sigmund Freud, Beyond the Pleasure Principle
-Sigmund Freud, The Ego and the Id
-Sigmund Freud, The Future of an Illusion
-Sigmund Freud, Civilization and Its Discontents
-Sigmund Freud, Der Mann Moses und die Monotheistische
Religion
-Jacques Lacan, The Four Fundamental Concepts, p. 59
-Alice Burdick Schweiger, Rethinking Freud; The Detroit
Jewish News